BOA
TARDE, EM QUE POSSO LHE SER ÚTIL?
(Luciano Firmesa)
... começa mais uma semana, um dia, uma tarde, uma hora e
sou um funcionário público. Penso e repenso. Cada momento está dentro de cada
momento e causa um efeito de acarretamento, que desenha minha vida. Têm vários
eus dentro de mim, posso sentir as camadas finas e coloridas. Sinto-me uma
Matrioshka.
- Boa tarde, Senhor!? Em que posso lhe ser útil? Sua
identidade ou o nome da pessoa que deseja o documento?
Frases que falo toda tarde em meu trabalho. Há situações na
qual sou interpretado conforme o protocolo manda, mas têm situações que o
cidadão não me entende, então paro, olho nos olhos e repito tudo e com mais
lentidão.
São estes momentos quando entro em contato direto com o
outro, que ficam ecoando: “como eu poderia ter falado para melhor ser interpretado?”.
Na verdade, como eu desejo ser atendido da melhor forma possível, também faço
do meu ato de atender um meio humanizado de comunicação. Atendo bem e quero ser
bem atendido. Sou mesmo uma Matrioshka tradicional. Paciência! Sou composto de
camadas. Para me entender tem que decifrar cada uma das camadas tênues do meu
ser.
O sistema da comunicação e os diálogos não funcionam de
forma regular e tem sempre alguém que romperá com o elo da teoria da polidez.
Eu sou sempre assim? Rebuscado? Cortez? Ou sou o que sou com o objetivo de ter
uma resposta igual? Tanta coisa se passa em minha mente em fração de segundo.
Estou me revelando para você aos poucos e as camadas estão sendo retiradas.
Sinto-me nu.
Faço análise há três longos anos, aprendo que o outro não é
extensão do meu ser. Não devo esperar nada dele....?
Sou exigente e quero que o outro faça o mesmo movimento meu,
que flui com tanta naturalidade... Será? Atualmente tenho me interrogado tanto,
por quê? Questionar faz parte da humanidade e quem não se questiona acaba
parado no tempo e em um ponto só dentro de si. Não consigo parar. Sou agitado.
Sou complexo. Sou prolixo?
Tudo bem. Faz parte da construção do meu eu não entender e
questionar. Mas não abro mão de ser justo e cortez com o outro. E o sujeito
passivo que mora em mim? Tem algo escondido no meu ato? Isso só cabe a mim...
Não quero ser obscuro, mas o meu eu não é claro: sou um sujeito incompleto?
Chega... Chega... Não quero mais pensar no meu fluxo de ideias.
- Próximo, por favor!
... acabou o turno... Até amanhã... Boa noite.

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